O
barulho nem sempre expressa o que de mais agudo existe no mundo dos
homens. Palavras, ritmos agitados, passos inquietos podem apenas ser
sinais incompletos de fontes mais profundas. No silêncio é que moram os
mistérios dos dizeres. Por detrás das representações, habita germe
sagrado, sopro vital e de sentido inesgotável. “Não dito” que
acompanha, feito penumbra, nomes de pessoas e coisas. Infeliz de quem
somente aprendeu e se acostumou com a fala corriqueira, com aquilo que
todos comentam. São repetidores; não sentiram a beleza de uma palavra
nova, quando nasce. Não sabem o que é poesia. Tornaram-se viciados em
vocabulário, não suportando calar a voz para uma escuta mais atenta.
Palavra
bem dita, que não é apenas repetição, deve ser gerada em solidão.
Quieta, germina a semente; na espera, cresce a criança; no vazio, nascem
linguagens. Somente quem aprendeu a estar sozinho, na imensidão da
existência, pode saborear arte e criar. Dom grande, que Deus dividiu com
seus filhos, foi o da poesia. Ele, poeta maior; o homem, imagem,
parceiro de obra. Diante de crises, da ferida aberta, da impotência do
logos, ou se cria, ou se perde. Todavia, a criação não chega depressa.
Tem que ser atentamente modelada e com esmero. Por vezes, não sem
sofrimento. Em terreno de gente, novidade só chega quando há
despojamento. Quando a flor desabrocha, feito metamorfose, é porque já
abriu mão de roupa velha.
Que
grande poeta, Jesus de Nazaré! N´Ele, tudo renova-se, na acolhida do
avesso das aparências. Pobres, pecadores, doentes são vistos sem
clichês. Jesus enxerga o coração, acolhe a pessoa mesma. Em sua kênosis,
na ausência de qualquer ilusão, deixa claro que somente o espírito
enche as coisas de beleza e não as pretensões onipotentes. Por isso,
ensina que é feliz aquele que, perdendo voz e vez, mantém-se na
confiança amorosa. Aliás, sua cruz redentora, ausente de qualquer
consolo, salva porque revela que a fraqueza, em Deus, é forte. De alguma
forma, decreta, assim, que todo amor verdadeiro é impotência, frágil,
mas divino porque alimenta-se de céu, único lugar de onde pode vir o
milagre que salva.
Então,
companheiro, que poesia habita seu silêncio? Não deixe morrer a
profundidade humana que o alto lhe concedeu. Mas cuidado porque, depois
de grande, é preciso renascer menino. Lembre-se de que no lago da
existência não moram somente certezas, já conhecidas. Há também o
inominável que, quando aceito, faz gerar coisas novas; quando recusado,
causa tormento. E mais, não fuja da dor de si mesmo e nem recuse os
sofredores da história. Caso isso aconteça, o melhor da humanidade
despede-se, deixando a curta existência sem sentido. Afinal, a finitude é
casa humana comum na qual mora Deus, fonte criadora, poesia
silenciosa.
A finitude é casa humana comum na qual mora Deus, fonte criadora,
poesia.
Pe. Vicente Ferreira, C.Ss.R.
Superior Provincial
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